sábado, 13 de fevereiro de 2016

Ficção

Chovia forte.
Como de costume, eu me sentava na cadeira reformada em frente a porta da sacada para ver as gotas escorrerem pelo vidro.
Não me recordo um dia que tenha chovido e eu não tenha feito o mesmo ritual.
Ora com uma xícara de chá na mão, ora com um livro que eu havia interrompido a leitura só para observar aquela obra.
Era um misto de prazer e necessidade.
Naquele dia, a chuva estava forte.
Havia, além da beleza do escorrer de gotas pelo vidro, barulho.
Talvez soasse como música.
Se pensarmos que barulho é algo que incomoda, classificaria aquilo, então, como canção.
As gotas batiam forte em mim.
Era a sensação que eu tinha.
As gotas batiam em mim como se não houvesse porta, nem vidro.
Eu estava vazia.
Totalmente oca por dentro.
Nada ali se ouvia ou sentia.
De alguma maneira, as gotas de chuva me preenchiam e começavam a me inundar.
Me afoguei em mim mesma.
Perdi o ar.
Minha visão ficou turva.
A xícara caiu da minha mão e despertei com o barulho.
Alcancei a superfície e voltei a respirar.
A chuva havia parado.
A luz da lua iluminava deficientemente as plantas do jardim vertical.
Ouvia novamente o barulho dos carros, das buzinas e do tumulto na minha cabeça.
Mas precisava limpar o chão.
Limpar a alma.
Limpar a bagunça que haviam deixado em mim.


Que bom seria se a chuva me lavasse por dentro também.