A rotina frente ao computador era a mesma de tantos
outros dias.
A seta para baixo descia displicentemente. Vez ou outra,
um clique. Uma leitura.
O vídeo engraçado, seguido da nova campanha fofa da marca
de perfumes.
Enquanto eu lia a resenha do novo álbum de uma cantora
talentosa, olhei para o teclado.
Era o meu primeiro fio de cabelo branco e a primeira vez que
sonhei com você.
Desde então, não foi mais um dia comum.
A vida, por sua vez, tornou-se qualquer outra coisa que
eu desisti de tentar entender.
Acho que é aí que mora a graça do jogo.
A gente nunca sabe quando algo vai acontecer para
modificar nossos dias.
De repente, quando menos esperamos, estamos distribuindo
sorrisos largos sem nenhuma obrigação.
Porque a vida tem disso.
O mundo talvez esteja nos seus dias finais. A bomba pode
estar prestes a estourar.
Mas existe qualquer razão que nos faça ver as coisas de
uma forma particularmente leve.
A vida tem disso.
O sábado de manhã que dura até as três da tarde, com
almoço que vale pela janta.
Os ensaios de uma dança que não existe, mas que
inventa-se como desculpa para ficar mais perto.
A energia que parece não ter fim, mesmo quando a lombar
começa a arder e os pés reclamam por se ter atravessado três bairros a pé para
evitar o trânsito.
Tantos momentos que parecem eternos e que por este mesmo
motivo se tornam suficientes.
A vida tem disso.
Uma pena ser breve. Ser passageira. Ser dedicada a tantos
outros momentos que nem precisam tanto da nossa atenção.
Foi meu primeiro fio de cabelo branco e a primeira vez
que sonhei com você.
Que sonho seria se cada fio trouxesse este tanto de
devaneio.
Mas a vida não tem disso.
Infelizmente.